Chamado de corporativista, juiz revida e interpela representante da OAB na Justiça

Magistrado foi criticado por soltar PRF que matou empresário

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O juiz José Andrade Neto moveu uma interpelação judicial, com pedido de explicações, contra o advogado Chrístopher Pinho Ferro Scapinelli, por ele ter criticado em entrevistas que concedera à imprensa, uma decisão do magistrado. Scapinelli sugeriu em declarações que o juiz teria supostamente agido com corporativismo ao autorizar a liberdade de um detido, em flagrante, por assassinato, em Campo Grande.

O caso em questão trata do crime cometido pelo policial rodoviário federal Ricardo Hyun Moon, 47, que confessou ter matado a tiros o empresário Adriano Correia, 33, na manhã do dia 31 de dezembro, depois de uma suposta discussão de trânsito, na avenida Ernesto Geisel, quase esquina com a rua 26 de agosto, região central de Campo Grande. Moon foi solto, mas logo depois, o mesmo juiz mandou prendê-lo.

A interpelação do juiz expõe uma situação de embaraço envolvendo a magistratura sul-mato-grossense e a OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Mato Grosso do Sul).

A manifestação do magistrado é respaldada pela Amamsul (Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul). Já a defesa do advogado, que também preside a Comissão de Direitos Humanos da OAB-MS, conta com o apoio da Ordem.

A interpelação do juiz, conduzida pelo advogado da Amamsul, o advogado constitucionalista André Borges, abarcou o representante da OAB pela seguinte declaração que dera a uma emissora de televisão, em Campo Grande, logo depois de o magistrado mandar soltar o policial rodoviário:

“Ele [o juiz] simplesmente de ofício concedeu a liberdade provisória. Isso induz a um entendimento de que existiu um certo corporativismo com relação à pessoa do indiciado”, teria dito o advogado Scapinelli.

A expressão 'corporativismo' indignou o magistrado, que resolveu interpelar criminalmente o advogado.

Tanto que na abordagem judicial, o juiz Andrade Neto faz os seguintes questionamentos, direcionados ao advogado Chrístopher Scapinelli, também da comissão da OAB:

Antes das perguntas, é dito na interpelação que “trata-se de algo que merece a devida confirmação, antes da propositura de eventuais outras medidas judiciais”.

O interrogatório:

a)  se o advogado [Chrístopher] fazia [na entrevista] menção à decisão do interpelante [juiz];

b)  Se o interpelado conhece o inteiro teor do inquérito em curso e das decisões judiciais nele proferidas pelo interpelante, para ter afirmado que existiu 'corporativismo';

c)  Se o 'corporativismo' mencionado pelo interpelado se vincula à qualidade das decisões à pessoa do magistrado que as proferiu;

d)  Qual o sentido e alcance de afirmação: “existiu um certo corporativismo com relação à pessoa do indiciado”?

A ação do magistrado, com pedido de explicação, em juízo, pode, em tese, extinguir-se se o advogado argumentar que não era intenção atacar o magistrado. Em palavras mais firmes: que sua fala foi mal interpretada, apenas.

 

Do contrário, a demanda tem dois rumos a seguir: o juiz pode mover uma queixa-crime contra o advogado por calúnia, difamação, injúria e também ingressar com ação pedindo indenização pelo episódio.

Ainda na interpelação o juiz cita, ponto a ponto, o que fez ele primeiro autorizar a liberdade provisória do policial e, depois, mandar prendê-lo. As duas decisões – que mandou soltar e prender o policial rodoviário – foram aplicadas num período de três dias.

ARGUMENTOS

O juiz diz em seu argumento que não determinou a prisão do policial rodoviário, assim que assumiu o caso, por falta de provas. Depois, com a intervenção do Ministério Público Estadual, o magistrado determinou o encarceramento do acusado.

Num dos trechos da intervenção, o juiz, por meio do advogado, repudia a ideia de tomar uma decisão diante do “clamor público” que provocou o crime.

“Apesar de o delito atribuído ao custodiado haver causado certo clamor público especialmente pelo fato de uma das vítimas ser empresário [dono de uma casa de sushi] conhecido nesta Comarca, a jurisprudência pátria, há muito, firmou o entendimento no sentido de que o clamor ou a comoção social não constituem, por si só, fundamentos idôneos para autorizar a prisão preventiva”, manifesta o juiz.

Para justificar a tese de que clamor não chancela a prisão, a defesa do juiz cita uma passagem bíblica que envolve Jesus Cristo, note:

“Em um julgamento ocorrido há quase 1984 anos, um governador do Império Romano, que na época possuía funções jurisdicionais, recebeu para julgamento um singelo carpinteiro nascido em Belém. Ao invés de analisar quais eram os crimes atribuídos ao carpinteiro, quais eram as situações objetivas que ele havia cometido algum crime ou mesmo que merecia ser preso ou penalizado, o aludido governador preferiu lavar as suas mãos e seguir a vontade popular, o “clamor público” da época. E o resultado desta trágica forma de julgar simplesmente mudou o rumo da história da humanidade”.

Segue a interpelação: “apesar desta triste história e desse exemplo absolutamente negativo de julgamento, mesmo passados quase 1984 anos [episódio ocorre quando Jesus tinha 33 anos de idade], infelizmente alguns ainda insistem em querer que a Justiça julgue como Pôncio Pilatos [governador com poder jurisdicional], não com dados concretos e objetivos, mas apenas ouvindo ‘a voz das ruas”.

O QUE DIZEM OS ADVOGADOS

O advogado Chrístopher Pinho Ferro Scapinelli, afirmou que não foi intenção sua em atacar o juiz José Andrade Neto.

Contudo, ele disse que “quem se expõe está sujeito a ser acionado judicialmente” e ainda que “quem entra na chuva é para se molhar”.

Scapinelli disse que as declarações dadas à imprensa foi um meio de ele “reportar uma série de manifestações” que estariam sendo “divulgadas pelo Facebook, sites de notícias, nas mídias”.

“Eu estava mencionando o fato, não a decisão dele [do juiz]. Eu não falei que existiu corporativismo. A forma com a qual se deu induz ao entendimento que poderia ter um corporativismo. Não mencionei o nome do juiz em nenhum momento”, disse o advogado, já notificado pela justiça. Scapinelli tem até o dia 25 deste mês para se manifestar quanto aos questionamentos do juiz na interpelação criminal.

O acusado questionou ainda a defesa do magistrado, que, segundo interpretação dele a causa deveria ter sido protocolada na Justiça Federal, não na Estadual. Isso porque quando comentou a decisão do juiz, a de soltar o policial rodoviário, representou a OAB-MS, não ele. “E a Ordem é autarquia federal, portanto, e ela [corte federal] é quem deveria tratar do caso”, disse Scapinelli.

André Borges, advogado da Amamsul e que defende o juiz, disse que “o processo não é movido contra a OAB, mas sim para obter esclarecimento do advogado, o que não é suficiente para atrair a competência da Justiça Federal”.

Borges disse ainda que “não deseja se manifestar sobre o mérito do caso, já entregue à autoridade judicial competente, aguardando apenas que a ele seja dada uma solução rápida e que tranquilize e satisfaça ambas as partes, que são importantes e destacados atores do mundo judicial”.

OAB CALADA

O presidente da OAB, Mansour Elias Karmouche, que manifestou-se publicamente contra a primeira decisão do juiz Andrade Neto, preferiu não envolver-se na questão da interpelação criminal.

A OAB, por nota, havia dito antes que a Ordem iria levar o caso para o CNJ (Conselho Nacional da Magistratura). Contudo, agora, por meio de sua assessoria de imprensa, manifestou contrária a alguma discórdia.

“A OAB-MS não irá se manifestar com relação a interpelação judicial. Diante dos fatos, o procedimento perante o Conselho Nacional de Justiça perdeu o objeto”, disse o presidente.