Que diz a lei sobre colocação de câmeras dentro da sala de aula e compartilhamento de imagens por aplicativos.

IVIAGORA


O crescente aumento da violência e a sensação de insegurança têm contribuído para a proliferação da instalação de sistemas de monitoramento eletrônico das ações humanas, através de câmeras de vigilância. Porém, a adoção de tais medidas ainda que possam trazer alguns benefícios na repressão e prevenção de crimes tem importado na interferência na vida privada e na violação da intimidade das pessoas alvo de observação.

É verdade que a utilização de câmeras de vigilância em espaços públicos e privados tem crescido em grande velocidade por todo o mundo. Na Inglaterra, por exemplo, país com maior número destes equipamentos, estima-se que existam perto de três milhões de câmeras de vigilância sendo que destas, perto de 400.000 estariam monitorando áreas públicas[1].

No Brasil, o monitoramento eletrônico é uma realidade. Há espaços públicos e privados sendo monitorados vinte e quatro horas por dia. Inicialmente as câmeras de vigilância foram sendo implantadas em espaços privados como Shopping Centers, estacionamentos, supermercados. Hoje, verifica-se uma generalizada disseminação do monitoramento eletrônico com câmeras espalhadas por espaços públicos e privados, internos e externos, pequenos e grandes.

A realidade demonstra que estamos constantemente sendo filmados: nas agências bancárias, nas farmácias, nas portas dos prédios e em algumas cidades, como Diadema (SP) e Votorantim (SP), as pessoas estão sendo filmadas nas escolas, nas ruas e avenidas da cidade.

Diante desta realidade que, diga-se de passagem, é mundial, há quem diga que o monitoramento eletrônico, também chamado de Big Brother, é irreversível, devendo as comunidades estarem atentas para a sua regulamentação, evitando que a observação pelas lentes eletrônicas não viole o direito à intimidade e à imagem das pessoas.

No campo do direito, quando se trata da regulamentação legal deste tipo de atividade, encontramos uma realidade preocupante: a mesma velocidade com que cresce a oferta de equipamentos e empresas privadas dispostas a oferecer os seus serviços não é sentida no campo legislativo. A legislação, além de rara, é insuficiente e, no Brasil, praticamente inexiste.

Esta situação de vácuo legislativo no Brasil vem provocando discussão acerca da legalidade da instalação destes equipamentos. Tal indagação tem provocado os estudiosos e o Poder Judiciário fazendo com se debrucem sobre o tema na tentativa de estabelecer regras mínimas a serem observadas quando da instalação de tais equipamentos, a fim de se preservar as garantias constitucionais do direito à privacidade e à preservação da imagem das pessoas, assim como do direito à educação integral e libertadora.

Ao contrário do que sustenta a reclamada, há fundamento jurídico suficiente para se concluir pela proibição do uso de câmeras dentro de salas de aula. A Constituição, em seu artigo 205, preceitua que “a educação, deve ter por finalidade o “ pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho ” e, no artigo seguinte, determina que o ensino será ministrado com base em vários princípios, dentre os quais a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; e a valorização dos profissionais da educação escolar. Ora, que tipo de desenvolvimento humano, preparo para a cidadania e qualificação para o trabalho se espera de uma instituição que monitora seus alunos e professores por meio de câmeras partindo do pressuposto de que uns e/ou outros cometerão– dentro da sala de aula! – “furtos ou casos de vandalismo”.

O desenvolvimento humano exige plena autonomia. O exercício da cidadania pressupõe liberdade e esta a ausência de vigilância ostensiva. A qualificação para o trabalho dos alunos passa pelo respeito ao trabalho desenvolvido pelos professores. O monitoramento constante e ostensivo dentro da sala de aula, sem dúvida, inibe a liberdade de aprender e ensinar, desvalorizando o profissional da educação, na medida em que, necessariamente, transmite a ideia de desconfiança em relação ao professor, seja por ele mesmo poder praticar uma das condutas que a monitoração visa evitar, seja por não ter competência para evitar que algum de seus alunos o faça. Portanto, não importa se a escola utiliza ou não as imagens para alterar o ambiente de trabalho ou despedir. O controle panoptico a que os professores se sujeitam, pela simples instalação das câmeras, já é suficiente enquanto elemento de desvalorização o trabalho educacional, bem como para determinar a ofensa à privacidade. Como bem argumentou o sindicato-autor, “as câmeras de vigilância nas salas de aula são a comprovação da incapacidade de as escolas atingirem seus objetivos mais elementares, qual seja, a emancipação do indivíduo”.

O direito à educação é, sem dúvida, direito fundamental e, portanto, suas normas tem aplicação imediata, nos termos do parágrafo 1º do artigo 5º da própria Constituição. Não obstante isso, a regulação normativa não se esgota no texto constitucional. Temos ainda a Lei de Diretrizes e Bases que, em seu artigo2º repete (e portanto reforça) as finalidades da educação. O artigo 3º da mesma lei apresenta novamente como princípios informadores da educação a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; respeito à liberdade e apreço à tolerância; e valorização do profissional da educação escolar.

Ainda, no que diz respeito especificamente aos direitos dos alunos, o artigo 15 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que estes “têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis”. Já o artigo 17 esclarece que o direito ao respeito abrange, dentre outros, a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Além do direito à educação, ressaltando a importância do papel do professor, o julgador citou o direito dos alunos. O artigo 15 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) diz que estes têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento. Já o artigo 17 esclarece que o direito ao respeito abrange, dentre outros, a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.